O Sul de Mato Grosso até o início do século XVIII, quando
ocorre a descoberta de ouro em Cuiabá, é uma região banhada por índios e
paraguaios remanescentes das missões jesuítas espanholas. Os espanhóis, no
século XVI, introduzem o gado no Sul de Mato Grosso e iniciam a exploração e a
comercialização da erva-mate. Algumas tribos indígenas, entre elas, os
Guaicuru, aprendem com os espanhóis a usar o cavalo como montaria e o manejo do
gado, tornam-se cavaleiros e são os primeiros fazendeiros sul-mato-grossenses.A
prosperidade das minas de ouro cuiabanas leva a coroa portuguesa a criar a
Capitania de Mato Grosso, em 1748, e a assinar, com a Espanha, o Tratado de
Madri, em 1750. Após estes dois fatos, os portugueses procuram tomar posse do
Sul de Mato Grosso, construindo fortes e presídios no Vale Paraguaio. Assim,
além de assegurar a Cuiabá o acesso aos grandes centros econômicos e políticos,
rechaçam, também, a expansão espanhola que colocava em risco a posse das minas
de ouro de Cuiabá.
A exploração de minas de ouro em Cuiabá permite a
intensificação do trânsito das bandeiras paulistas no Sul de Mato Grosso. Entre
as rotas fluviais utilizadas por estas bandeiras está a do Rio Pardo. Dois dos
afluentes do rio Pardo e que são explorados pelos bandeirantes, no século
XVIII, são o Anhanduí-Guaçu e o rio Anhanduí, este último formado pelos
córregos Prosa e Segredo. Isto evidencia a presença dos descendentes dos
portugueses nos campos, onde mais tarde surge o povoado de Campo Grande.
No século XIX, a decadência das minas de ouro de Cuiabá, de
Minas Gerais e outras localidades provocam nestas Províncias instabilidades
políticas e econômicas. Estes fatores possibilitam a migração de cuiabanos,
goianos, mineiros, paulistas e gaúchos para o sul de Mato Grosso. Estes novos
bandeirantes vêm atraídos pela fertilidade do solo, pela grande quantidade de
gado bovino nos campos de Vacaria e Pantanal, e fundam núcleos populacionais ou
reativam outros.
Após a Guerra com o Paraguai intensifica-se a migração para
o Sul de Mato Grosso. Em 1872, José Antônio Pereira acompanhado de dois filhos
e mais alguns homens saem de Monte Alegre, Minas Gerais, de onde outros já
haviam saído, rumo às terras do Sul de Mato Grosso. Atravessam o rio Paranaíba,
penetram o Sul de Mato Grosso, passando por Sant’Ana do Paranaíba e pelo rio
Sucuriú, transpõem os cerradões do rio Pardo, e acampam nas terras onduladas da
Serra de Maracaju.
José Antônio Pereira encontra, nesta região, o poconeano
João Nepomuceno e algumas famílias camapuanas fixadas ao longo do córrego
Prosa, onde cultivavam suas roças. O que chama a atenção de José Antônio
Pereira, é o viço do milharal e outros cereais cultivados por esses posseiros.
Inspeciona o lugar e constata a fertilidade do solo, a amenidade do clima, a
existência de boas pastagens e boa aguada. Esses fatores convencem José Antônio
Pereira a não prosseguir viagem e iniciar uma roça a exemplo dos demais
posseiros destes campos.
No início do ano seguinte, José Antônio Pereira regressa a
Minas Gerais, de onde retornaria três anos depois, com toda a sua família e
alguns agregados, sendo a comitiva composta de sessenta e duas pessoas.
Durante a ausência de José Antônio Pereira, permanece como
guardião de sua roça, João Nepomuceno. Em junho de 1875 chega aqui outro
mineiro, Manuel Vieira de Souza, que veio com seus antecessores de mudança para
Campos de Vacaria, em companhia de seus familiares e alguns escravos.
João Nepomuceno procura se informar do recém-chegado, se ele
tinha notícia de José Antônio Pereira, não obtendo a informação desejada e
desesperançado do seu retorno, dado o longo tempo decorrido, negocia com Manuel
Vieira de Souza a transferência de posse, não sem antes ressaltar os direitos
de José Antônio Pereira. Em agosto de 1875 chega a Campo Grande José Antônio
Pereira, conduzindo sua expedição composta de onze carros mineiros, os quais,
além das provisões necessárias aos primeiros tempos, traziam também sementes,
mudas diversas, inclusive cana-de-açúcar e café. Em seguida à sua chegada José
Antônio Pereira se entende com Manuel Vieira de Souza, e se juntam para
organizar a ocupação de Campo Grande.A história oral admite que José Antônio
Pereira não é o primeiro desbravador a instalar moradia na confluência dos
córregos Prosa e Segredo, ela aponta, também, a existência de uma comunidade
negra, no Cascudo, hoje Bairro São Francisco, contemporânea a chegada dos
primeiros desbravadores descendentes dos portugueses. Entretanto, esta mesma
história oral reconhece que José Antônio Pereira, falecido em 1900, influenciou
nos primeiros tempos a sistematização da ocupação do povoado. Ele dirigiu e
orientou as demarcações das posses, procurando harmonizar os interesses
daqueles que pretendiam se fixar no vilarejo.
Entre as demarcações efetivadas por José Antônio Pereira destacam-se:
fazenda Bom Jardim, ele reserva para si; fazenda Bandeira, para seu filho
Joaquim Antônio; fazenda Lageado para Manuel Vieira de Souza; fazenda Três
Barras para seus genros, Antônio e Manuel Gonçalves; e fazenda Bálsamo, legada
a seu filho Antônio Luiz.
A sede da fazenda Bálsamo é construída em 1880, formada
originalmente de três edificações. Este conjunto arquitetônico é, hoje, o Museu
José Antônio Pereira, um dos poucos documentos da época da fundação de Campo
Grande.As ações de José Antônio Pereira estimulam a fixação, em Campo Grande,
de outros desbravadores que estavam em busca de novas terras e prosperidade
para si e seus familiares.Em pouco tempo Campo Grande adquire características
de um vilarejo em franco desenvolvimento. As qualidades do lugar, ou seja, a
fertilidade do solo e a facilidade de se conseguir terra para instalar suas
fazendas, atraem outros migrantes vindos das diferentes Províncias.
A implantação do povoado em Campo Grande ocorre nas encostas
da Serra de Maracaju, local cujo relevo se comporta como um grande plano
inclinado, onde a altitude varia entre 500 e 600 metros. O território escolhido
é delimitado pelas latitudes 20º13’N e 21°34’S e as longitudes 53°36’E e
54°54’45”O do meridiano de Greenwich. Situa-se bem na divisa entre as duas
grandes bacias hidrográficas Paraná e Paraguai. Esta sua posição geográfica
faculta-lhe a condição de encruzilhada dos caminhos utilizados no início pelos
desbravadores, depois como meio de comunicação com os diversos povoados do Sul
de Mato Grosso. É também, uma das passagens rumo ao Triângulo Mineiro e Oeste
Paulista. A localização geográfica de Campo Grande é um fator que ao longo de
sua história, a privilegia como centro irradiador do desenvolvimento socioeconômico
e político da região sul mato-grossense.O desenvolvimento de Campo Grande não
tardou em polarizar as atenções dos fazendeiros dos Campos de Vacaria e de todo
o planalto de Maracaju, transformando o arraial em entreposto comercial de gado
entre o Triângulo Mineiro e todo o Sul de Mato Grosso. Esta atividade econômica
se fazia cada vez mais intensa, Campo Grande revela-se no Sul de Mato Grosso no
mais ativo centro de comércio de gado.No início de 1889, o mestre-escola José
Rodrigues Benfica, gaúcho e ex-combatente da Guerra com o Paraguai, atendendo o
apelo de alguns cidadãos do arraial, funda a primeira escola do lugar. Coube a
este professor, falecido em 1905, a responsabilidade de educar a primeira
geração de campo grandenses.Este melhoramento se junta a outros, os quais levam
o governo da província de Mato Grosso, através da Lei Provincial n°792, de 23
de novembro de 1889, a criar no município de Nioaque o distrito de Paz de Campo
Grande. E dez anos depois, a Lei n. 225, de 26 de agosto de 1899, eleva Campo
Grande à categoria de vila e determina a criação do Município, desanexando-o da
comarca de Nioaque. O município, inicialmente, conta com uma área superior a
100 mil km², estendendo-se entre os rios Aquidauana, Brilhante, Ivinhema,
Paraná e o Verde, até às suas cabeceiras, compreendendo os municípios de Rio
Brilhante, Bataguassu, Ribas do Rio Pardo, Rochedo, Terenos, Sidrolândia,
Jaraguari e parte de Camapuã. O desenvolvimento sócio-econômico do sul de Mato
Grosso propicia, gradativamente, a fragmentação desta imensa área que
constituía o município de Campo Grande. Nos fins de 1909, por determinação do
Presidente do Estado Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa, se fez a
demarcação das terras para a sede da cidade, cuja área era de 3.600 hectares.Dois
anos antes dessa determinação de Pedro Celestino, em 1907, chegam a Campo
Grande, a serviço da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, o
engenheiro Emílio Schcnoor e sua comitiva. Vieram estudar o terreno e definir o
traçado da ferrovia.
O contrato assinado entre o governo federal e a Companhia de
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, permite a esta companhia interferir na
estruturação de área urbana, elaborando para aquelas cidades situadas no
traçado ferroviário, um planejamento para disciplinar a ocupação urbana e
sugere às Intendências Municipais, um Código de Postura, no qual, além de
estabelecer diretrizes de ocupação, define algumas medidas de higiene e saúde
pública. Com isso, as cidades ganham um traçado xadrez onde, além de reordenar
a aglomeração existente, prevê a expansão urbana.
Em Campo Grande o planejamento urbano sugerido pela
Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, estabelece um centro onde se
localizam as casas comerciais, residências, sede de alguns órgãos públicos,
prevê a criação de bairros, entre eles, o bairro ferroviário que abrigaria o
conjunto de serviços e residências de seus trabalhadores. Mais tarde, em
1921,este planejamento permite a expansão da cidade com o surgimento do bairro
Amambaí. Este bairro, inicialmente, destinava-se ser ocupado pelas residências
e unidades militares da Circunscrição Militar.
Em 14 de outubro de 1914 chega a Campo Grande a comitiva que
realizava a inauguração oficial da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.A
localização de Campo Grande atendia os objetivos econômicos e estratégicos da
Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, por isso, a cidade é
escolhida para sediar uma Diretoria Regional que atenderia todo o Sul de Mato
Grosso. A Companhia além de construir instalações para abrigar seus serviços
técnicos e burocráticos, constrói, também, casas para atender todos seus
funcionários.A ferrovia provoca o afluxo de imigrantes e migrantes, sendo que
entre estes últimos estão os funcionários da Companhia de Estrada de Ferro
Noroeste do Brasil. Eles vêm para atender os diferentes serviços e de acordo
com os interesses dessa companhia alguns funcionários permanecem
definitivamente na cidade, outros são remanejados. Este intercâmbio permite
constante renovação de ideias, porque estes funcionários se envolvem com a vida
sócio-econômica e política da cidade e do Estado.Após a regularização das
viagens ferroviárias, Campo Grande gradativamente centraliza no sul de Mato
Grosso, as principais atividades econômicas e políticas. Esta sua condição de
entreposto comercial lhe oportuniza outra condição, a de pólo irradiador de ideias.Um
outro fator que facilita a divulgação das ideias são os jornais. Os primeiros
que circulam em Campo Grande são: “O Estado de Mato Grosso”, junho de 1913,
fundado pelo Dr. Arlindo de Andrade Gomes; “A Ordem”, em setembro de 1916;
“Correio do Sul”, em março de 1917; “O Sul”, em junho do mesmo ano. Alguns
destes jornais pioneiros desaparecem e dão lugar ao surgimento de outros. Todos
eles noticiam os acontecimentos políticos locais, tecem críticas à política do
governo estadual, e divulgam os acontecimentos sociais. Com a ferrovia, a
cidade passa a receber com frequência jornais editados em São Paulo e Rio de
Janeiro, desta forma os campo grandenses se inteiram dos acontecimentos
ocorridos na capital federal e demais Estados litorâneos.
A regularização das viagens ferroviárias facilita a
exportação do gado, madeira e a importação de produtos industrializados, e
propicia, também, aos campo grandenses mais conforto nas viagens de negócio e
lazer.Após a ferrovia, alguns fazendeiros sul mato grossenses fixam residência
em Campo Grande, para melhor dirigir seus negócios e ao mesmo tempo, se
inteirar dos acontecimentos políticos locais, estaduais e federais.
A ferrovia favorece a transferência do eixo econômico Cuiabá
e Corumbá, através do rio Paraguai, para Campo Grande e São Paulo.Simultaneamente,
à regularização das viagens ferroviárias, o governo federal, em 1921, através
do Ministério da Guerra Pandiá Calógeras, transfere de Corumbá para Campo
Grande, o comando da Circunscrição Militar. Este conjunto congregaria todas as
unidades militares sediadas no Estado de Mato Grosso. Campo Grande assume o
“status” de capital militar.Os militares trazem de outros Estados novas idéias
e experiências políticas. A permanência destes, em Mato Grosso, obedece a
critérios e interesses do Comando Militar. Quando concluem a tarefa ou a missão
para a qual foram designados, são transferidos para outra localidade dando
lugar à vinda de outros. A interação entre militares e campo grandenses, o
constante remanejamento destes militares possibilitam a renovação de idéias,
permite também, a repercussão e influencia do tenentismo no movimento
divisionista. A presença dos militares objetiva manter a ordem e a disciplina
no Sul de Mato Grosso, e coibir as manifestações divisionistas.
Em 1930, Campo Grande conta com 12 mil habitantes, está
dotada dos principais órgãos administrativos estaduais e federais, Poder
Judiciário e outros serviços. O comércio conta com mais de 200
estabelecimentos, três agências bancárias, uma agência de Correios e
Telégrafos, vários estabelecimentos de ensino público e privado, iluminação
elétrica, abastecimento de água canalizada, telefones e vários clubes
recreativos. As propriedades localizadas no município de Campo Grande estão
interligadas com a sede através de estradas carroçáveis, facilitando, desta
forma, o escoamento da produção destas propriedades. O movimento na estação
ferroviária, causado principalmente pela exportação de gado, madeira e outros
produtos, e a importação de bens industrializados é intensa, contribuindo para
que a arrecadação tributária de Campo Grande seja de 28%, em relação à
arrecadação de Mato Grosso.A partir de 1930, Campo Grande, tendo em vista sua
importância socioeconômica e política, concentra as discussões sobre a divisão
do Estado. Os campo grandenses objetivando apoio para o movimento divisionista,
participam, ativamente, da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas e da
Revolução Constitucionalista de 1932, esta última é uma reação dos paulistas contra
o governo ditatorial de Getúlio Vargas. Bertoldo Klinger, comandante da
Circunscrição Militar em Mato Grosso e um dos líderes da Revolução
Constitucionalista, institui o Estado de Maracaju e nomeia Vespasiano Martins
para governador. Este ato eleva Campo Grande à condição de capital político
administrativa no novo Estado. A derrota dos constitucionalistas contribui para
a extinção do Estado de Maracaju, conseqüentemente, Campo Grande perde o
“status” de capital político administrativa.
Esta derrota não arrefece o ânimo dos campo grandenses. Dois
anos depois, em 1934, é criada em Campo Grande, a Liga Sul-Mato-Grossense, que
inicialmente objetivava angariar apoio dos sul mato-grossenses, para o
manifesto que seria encaminhado ao Presidente do Congresso Nacional
Constituinte. A Liga coleta 13 mil assinaturas, com isso, ela visava também,
sensibilizar o governo federal, particularmente, os Constituintes para que
estes ao elaborarem a Nova Constituição, aprovassem a divisão de Mato Grosso.
Getúlio
Vargas e os Constituintes não aprovam a divisão do Estado, mas os campo
grandenses se mantém fiéis ao movimento divisionista até 1977, quando o
Presidente Ernesto Geisel promulga a Lei Complementar n°31 que cria o Estado de
Mato Grosso do Sul e Campo Grande é elevada à condição de capital.
Texto
extraído da Revista ARCA n. 5 (1995), autoria de Alisolete Antônia dos Santos
Weingärtner.